sexta-feira, janeiro 19, 2007

O Referendo Visto por uma Mulher

por Thereza Ameal


Sou mulher e, segundo alguns, parece que devia estar contente porque querem oferecer-me o aborto livre e gratuito; dizem que é para me dar mais um direito. Mas eu estou triste. Eu não quero o direito de poder matar um filho em momento algum da sua vida, e sei que mesmo que a lei um dia o declare, preto no branco, esse direito continuará sempre a ser uma mentira: ninguém tem o direito de destruir uma vida.
Dizem que isto é para me proteger da prisão. Só que há mais de 30 anos que não há nenhuma mulher na cadeia por ter abortado. E nos últimos 8 anos só vimos serem julgadas aquelas pobres 4 ou 5, que abortaram já depois das 10 semanas, e que os que dizem defender as mulheres usaram sem vergonha expondo-as na televisão.
Para evitar os julgamentos não é preciso referendos, nem mudar a lei, basta mudar as regras processuais. Há muitas propostas neste sentido mas são ignoradas, porque não implicam oferecer a todas as mulheres, ricas ou pobres, com ou sem problemas, abortos gratuitos nos hospitais, nem impedem o julgamento dos médicos e parteiras que enriquecem à custa da vida dos filhos e da destruição interior das mães, nem protegem quem força a mulher a dar este passo, e muito menos implicam a abertura de clínicas privadas. Será que é mesmo a mulher que querem proteger?...
Dizem os estudos sérios, dos países onde o aborto já é livre, que não são as mulheres pobres quem mais aborta, parece que são as jovens com pouco mais de 20 anos, que investiram a vida inteira nos estudos e na carreira, e que neste mundo de competição desenfreada, onde se tornou tão difícil ser mãe, vêem os seus planos desmoronar-se e pensam que por ter aquele filho vão desperdiçar os seus esforços e estragar a vida. Sejam quais forem as razões, são sempre mulheres que enfrentam um drama de medo e solidão. Eu também não as quero na cadeia, mas descobri que mais de metade das mulheres que abortam nos países onde é legal, dizem que o fizeram obrigadas. Se ao menos fosse proibido podiam ter dito que não ao marido, ao namorado, ao pai, ao patrão, mas assim, sem a lei a protegê-las, entraram no hospital e saíram de lá diferentes. Para sempre.
Tenho uma grande amiga que abortou quando era nova, tinha 20 anos e sentia-se incapaz de ser mãe. Pensou que assim ia esquecer rapidamente aquela gravidez tão fora de horas. “Correu tudo bem”, o bebé foi desfeito por mãos muito profissionais, não teve problemas de saúde, mas as feridas de que ninguém lhe falou nunca mais sararam. Aos 40 anos era alcoólica, estava sozinha, nunca mais teve outro filho... Ela é que precisava de ter sido protegida. Fico feliz por saber que agora já há muitas associações que ajudam mulheres nestas circunstâncias. Que protegem realmente, ajudando a enfrentar a realidade dum filho que já existe e que mesmo não programado se pode aprender a amar.
Fico triste, terrivelmente triste, quando dizem que me querem dar o direito ao aborto livre e gratuito, e mais ainda quando se atrevem a dizer que é para me proteger.